terça-feira, 16 de junho de 2009

Enquanto isso, no Brasil... O amor nos tempos do cólera

Aquela segunda-feira não seria como as outras. No caminho para o trabalho, a notícia chegou pelo rádio: um avião havia desaparecido misteriosamente pouco depois das onze da noite em algum lugar do Atlântico. Um frio na barriga tomou conta e mil cenários passaram por minha mente, que tentava imaginar o que teria acontecido e como. Pensamentos inquietos impedem que eu pegue no sono com facilidade até hoje. O envolvimento é quase sedutor. Vai ver a profissão de jornalista torne o contato com o mundo real bem maior e mais intenso. Quase inevitável. E não tenho tempo suficiente de carreira para ter endurecido - ou experiência o bastante para saber como lidar com esse endurecimento. Ainda não consigo me manter distante. E, na verdade, nem sei se quero.

Para tentar aliviar a minha intermitente confusão sobre o papel que devo assumir diante de tantos fatos impostos pela vida e pela profissão, decidi participar de um debate sobre Jornalismo Literário com feras da área: Pedro Bial (apresentador de TV), Eliane Brum (repórter especial da revista Época), Daniel Piza (editor do jornal O Estado de S.Paulo) e Sergio Vilas Boas (jornalista e escritor). A discussão defendia a humanização e a sensibilização do Jornalismo contemporâneo; o resgate do envolvimento do profissional com a sua pauta; e a resistência de textos “escritos com as entranhas”, definição que Gabriel García Márquez deu ao seu romance O amor nos tempos do cólera. Ao ouvir tanto profissionalismo refletido em cada um deles, percebi a minha inexperiência. Até que ponto devemos nos envolver com aquilo que escrevemos, lemos e vemos?

Ao final do evento, Daniel Piza me chamou num canto e me deu seu cartão: “esta é a sua resposta”. A frase que li no verso, escrita à mão com tanto carinho pelo brilhante jornalista, ecoa na minha mente sem descanso: cold eyes and warm heart.

Sob o encanto das palavras de Piza, viajo a Moçambique em menos de um mês na tentativa de humanizar os meus versos, os meus pensamentos e os meus sentimentos. Para me transformar na melhor profissional que posso ser. Para virar gente. De nada vale a distância interminável entre o ser humano e a dor. Por 10 dias (que, certamente, mudarão a minha vida) vou acompanhar missões humanitárias que combatem doenças como HIV, malária e cólera no país. E, para brigar com tantas enfermidades, levo meu medo - ainda sem nome. Talvez, o pior de todos: o pavor de não ser capaz de esfriar os olhos e deixar transbordar o coração.

Diante de um grave analfabetismo emocional, me encho de coragem e embarco em uma verdadeira mudança de vida. Daqui, saio plena. Completa da forma mais incompleta que alguém aos 22 anos poderia se sentir. E, pelo menos por ora, com o coração pegando fogo.

Texto publicado em 16 de junho no jornal americano NOSSA GENTE, em sua 27ª edição. Jornal dedicado à comunidade brasileira que reside na Flórida - Estados Unidos. Faço parte do grupo de colaboradores e assino a coluna ENQUANTO ISSO, NO BRASIL. Assim, aos poucos, vou me realizando. As realizações vêm aos poucos...e na medida certa.

2 comentários:

Eliana disse...

Q bonito!!!

Ps. Me empresta seu livro "O amor nos tempos do cólera"? (promessa chilena...haha) Sinto que preciso lê-lo agora!

Anônimo disse...

Admiro muito você pela coragem e iniciativa de viver uma experiência como essa...

Que Deus te proteja...