segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Enquanto isso, no Brasil... Os afogados

O País está debaixo d’água. E não digo isso apenas devido ao zum-zum-zum do pré-sal... As chuvas torrenciais que afogam o país pelas últimas semanas alagam ruas, desabam casas e transbordam o Tietê. O mundo começou a cair numa terça-feira fria pós-feriado. A loucura nas estradas já havia complicado o trânsito nas principais capitais e ninguém imaginou que pudesse ficar pior. Mas o Brasil foi de encontro ao caos. Ele bateu à nossa porta e foi um verdadeiro salve-se quem puder. Santa Catarina voltou ao desesperador estado de alerta que tanto assustou a população no ano passado. Acreditem: não há guarda-chuva que aguente o vendaval. Naquela mesma terça-feira insana, eu passei três horas dentro do carro tentando chegar ao meu trabalho, trajeto que faço tranquilamente – e em dias normais – em 20 min. Além de desligar o carro pelo menos seis vezes, presenciei umas três ou quatro batidas, xingamentos mil e pessoas encharcadas no ponto de ônibus esperando o transporte que, sem dúvida, não chegou tão cedo. Aproveitei o tempo ocioso para reparar nos motoristas dos carros ao redor, uma distração surpreendentemente curiosa. É engraçado observar o que as pessoas fazem quando acham que ninguém está olhando: comem de boca aberta; cantam os mais variados estilos musicais em alto e bom som – do rock ao sertanejo universitário (que, aliás, é a nova febre brasileira); colocam o dedo no nariz; gritam ao telefone; tiram fotos de si mesmas fazendo caras e bocas... Enfim, comportamentos constrangedores. O repetitivo movimento de mudar a marcha do ponto morto à primeira e, logo em seguida, voltar para o neutro, cansa, distrai e é incrivelmente desgastante, além de nos fazer apelar à passatempos vãos. Depois de três horas de estresse, dificuldade e, admito, um leve entretenimento, finalmente me rendi ao óbvio: desisti e voltei para casa. Aliás, poucas pessoas conseguiram chegar ao trabalho nesse dia. Em apenas um dia caiu 80% da água que geralmente cai em 30 – e eu ainda suspeito uma certa modéstia nesta estimativa.

Acompanhando o rádio insistentemente, muitas questões vieram à tona: onde está a verba destinada às construções e manutenções dos piscinões? Na gaveta, claro. A situação vivida pelos brasileiros nos últimos tempos tem sido absolutamente inadmissível. Vivo em São Paulo há 22 anos e jamais enfrentei tal bagunça – e os caminhos que faço diariamente sugerem engarrafamentos bárbaros e intransitáveis. Olho para fora da janela do 16º andar da Editora Abril e vejo chuva, água, dilúvio. Testemunho o mar de automóveis na cruel saga das Marginais. Ah, que vontade de fugir... Uma leve tentação. O que nos resta é ter paciência – um difícil desejo em tempos como estes.

Texto publicado no jornal americano NOSSA GENTE, jornal dedicado à comunidade brasileira que reside no Estado da Flórida, nos Estados Unidos. Faço parte do grupo de colaboradores e assino a coluna ENQUANTO ISSO, NO BRASIL. Assim, aos poucos, vou me realizando. As realizações vêm aos poucos...e na medida certa.