sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Enquanto isso, no Brasil... O país de primeiro mundo

Estou de volta há quase quatro semanas. Depois de passar um tempo viajando por Moçambique, país africano que despertou em mim um enorme senso de ‘mundo’ e me apresentou as mil facetas da realidade humana, voltei para um lugar onde a guerra está no Senado. E isso não faz sentido. Cada país com seus problemas, claro, mas é quase inimaginável a possibilidade de levar uma vida normal daqui pra frente. Não há como assimilar a futilidade dos nossos problemas e das nossas necessidades depois de conhecer o real sofrimento do ser humano. Quando falam do atraso do Brasil e das dificuldades ainda enfrentadas por aqui, costumam dizer que é um país de terceiro mundo. Onde estaria, então, um lugar como Moçambique, onde apenas 14% da população têm energia elétrica, 16% têm HIV/AIDS e mais de 50% é analfabeta?

Destaco um grave erro cometido por muita gente, equívoco e generalização (para não dizer ignorância) que eu mesma já atentei: imaginar que o continente africano é um vasto campo de refugiados. Em alguns lugares, essa ideia tem sua validade. Mas é preciso ter cuidado ao crer piamente nessa superficial visão que a mídia tenta implantar em nossa mente. Além da desgraça, existem milagres, sim. Lá, eles conhecem e praticam algo tão desconhecido por nós, um estado de espírito chamado “resiliência”. Como uma mola, encontram forças para se reerguer.

A grande estupidez é viver uma vida na qual acreditamos ser a verdadeira. Supor que conhecemos o “outro lado da moeda” quando, na verdade, vivemos numa bolha, numa exceção. Não há como, pelo menos para mim, olhar a penúria largada nas ruas das nossas cidades e sentir alguma pena, alguma compaixão. A tristeza, a miséria, a fome e o frio são vilões completamente ausentes do nosso campo de noção. Você pode discordar comigo e me desafiar a persistir nessa opinião, mas garanto: nós não sabemos o que é pobreza. Pelo menos não nos grandes Estados. O Norte do nosso país é, certamente, uma grande ressalva.

Eu ainda não encontrei em mim as forças para acreditar e aceitar que vivo em país de terceiro mundo. Na minha humilde opinião, vivo em um de primeiríssimo mundo. Passei três semanas tomando banho de balde – às vezes de caneca -, dormindo com uma rede mosquiteira ao redor da minha cama, ouvindo – e sentindo – o pavor nos berros das crianças ao me verem, uma assustadora mancha branca. Tive pessoas se ajoelhando aos meus pés e se entregando à subserviência cruel e arcaica de uma escravidão extinta apenas na prática, e mulheres dando à luz durante o trabalho, colocando a criança dentro da bacia que carrega na cabeça, e indo para casa, feita de pau-a-pique, apenas no fim do dia, após quilômetros e quilômetros de caminhada. Eles vivem na escuridão, uma sagrada e bendita escuridão – e não sabem o quanto são miseráveis. E isso é incrível, é abençoado.

A verdade é que aos olhos do mundo, o Brasil continua sendo um país de terceiro mundo. Só me resta, então, chegar à conclusão que, simplesmente, a África não existe.