No dia 10 de novembro, por volta das 22h, as luzes do Brasil se apagaram. O breu se instalou sobre a maioria dos Estados e não se via nada. Os geradores suportariam somente até certo horário e, então, viraria escuridão total. Ninguém sabia explicar o que ocorria. Estávamos incomunicáveis: sem telefone e sem internet. Algumas pessoas se mantinham informados através de conexões móveis, mas isso também não sobreviveu ao blecaute. Os boatos sobre o que havia causado o apagão começaram: era o tão esperado “fim do mundo”, ou um provável golpe de Fernandinho Beira-Mar ou, ate mesmo, invasões alienígenas - meu favorito. Nenhum era verdade e a vida continuou normalmente. Mas durante o crepúsculo, eu passei por experiências únicas. Assim que caiu a eletricidade, reuni as velas espalhadas pelo apartamento e fui buscar os fósforos, que, para a minha surpresa, nunca encontrei. Não achei um mísero palito ou isqueiro. E lá fiquei, no escuro. Nada de lanternas ou lampiões. A bateria do meu celular já estava quase no fim e não vi alternativa além de ir dormir.
Pegar no sono não foi fácil. As pessoas na rua estavam animadíssimas com a brincadeira, e a gritaria, mesmo do 12º andar, ressoava em alto e bom som. Apesar da escuridão, a noite estava clara, e iluminava todo o meu quarto. Olhando fixamente para o teto, mil pensamentos invadiam a minha mente inquieta. Um deles foi o caso da menina da Universidade Bandeirante que sofreu uma humilhação bárbara dentro da própria faculdade por ter ido à aula usando um vestido (realmente) muito curto. Essa “ousadia” atiçou uma exagerada revolta entre os alunos, que ofenderam a jovem de forma cruel e violenta. A repercussão foi tanta que minha mente remói o caso até durante o apagão.
Naquela noite, me agarrei a qualquer pensamento para fugir de uma saudade. Na verdade, me esquivo dessa sensação há semanas. Mas sem sono e numa escuridão convidativa, não tive para onde ir. Estava sozinha com meus pensamentos e emoções. Resolvi me entregar à onda de sensações que, sem a minha autorização, já invadiam e afogavam o meu corpo. A saudade, à qual me refiro, é de um grande homem que, num piscar de olhos, saiu do meu campo de visão e instalou-se unicamente em meu coração. Mesmo na escuridão, consegui ver seu sorriso, sentir o conforto de seu colo e o calor de seu abraço. Suas palavras, nunca omissas, ecoavam mais alto do que a gritaria lá fora. Falo de meu pai, de uma dolorosa perda, recente demais para apreender. As infinitas horas sem luz reacenderam a minha alegria e iluminaram a minha alma. Pude apreciar as memórias boas sem o amargo das últimas recordações. Reorganizei os meus pensamentos e assumi a responsabilidade de ser um pouco mais parecida com uma pessoa que proporcionou nada menos que gargalhadas e trouxe imensa paz aos outros.
As luzes de São Paulo voltaram ao normal antes do dia amanhecer. Eu, porém, passei a noite em claro, iluminada por uma luz inexplicável. Apenas sei que minha vida não voltou ao normal, como a de outras pessoas. Ela recomeçou. E o que me guia é esse amor transformador que, ao invés de deixar tristeza com seu breve adeus, voa livre ao som de aplausos.